segunda-feira, 18 de junho de 2012

Natural de mim

Nesse chão gelado, eu pensei em desaparecer. À meia luz do crepúsculo que entra filtrada pelas venezianas da janela eu pensei em morrer. Natural de mim. A sombra da morte habita nos cantos da minha existência vazia, seguindo meus passos de perto e gelando minhas relações humanas. Ela me insere nessa Totentanz, nesse Venitas Venitatum não-artístico, eclode na minha vida anti-poética, nas minhas antologias de gaveta, nos meus sentidos difusos, nestas penumbras de razão. Distorço-me aqui como as formas de Picasso, mas totalmente ausente de sentido como um dadaísta sobre os efeitos do ácido. Que monte de peças sem encaixe, sou! Nenhum dedo aventura-se a me montar, a me colocar no eixo já que todas as tentativas foram falhas. Inebrio-me de mais sonhos que possibilidades e me permito amontoar em algum canto qualquer da sociedade, carregando minhas peças sem encaixe que vão se perdendo pelo caminho e nem faço questão de recolhê-las. Devia talvez me lançar ao vento de alguma montanha e lá ser levado pelas brisas e habitar os cantos do mundo sem eira nem beira, sem o estado estático da matéria, ser vento, numa eterna busca por ordem e sentido, numa busca por encaixes em minha alma! Vivo sem ter casa para voltar, sem ter amante para envolver, sem sentido para ser útil. Vivo às bases de meus paradigmas e personagens imaginários, escavando almas e abrindo peitos em nua carne, jogado na calçada e escorrendo pelos esgotos da solidão. Minhas peças são livres, meu quebra cabeça nunca será montado, e nunca nenhuma peça se encaixará nas minhas para sempre. A insatisfação é uma capa leve que me envolve, e dela, ainda gozo de suas maldições. Sou fadado às fugas e às navalhas mais afiadas, derramado nos vazios, habitante de mim, natural de mim.