terça-feira, 28 de agosto de 2012

Private Hell

Sinto-me frágil. A cada dia as paredes do buraco de adensam e aprofundam, engolindo a escadas e com elas a última chance de escapar. A comida não tem gosto, banho-me e como se a sujeira ainda continuasse a mesma, impregnada indelevelmente na minha carne. Bebo e não embriago. Amo e não sou amado de volta. Grito e ainda tem explosões em meu peito. Gemo e ainda tem dor em meus músculos. Converso e ainda tenho palavras para dizer. Beijo e ainda tenho amor pra dar. Desmaio e não tenho ninguém para segurar.
Não há necessidade do outro no coração do misantropo, só o grito que ninguém ouve, a contorção do corpo que ninguém afaga, a boca seca de que ninguém toca. Pálidas almas essas que se voltam para mim, que tão falsas são papeis transparentes, onde posso ver do outro lado perfeitamente. Não tem nada de sólido aqui, só solidão de nada. Em meu rosto as lágrimas corroem a carne morta como o castigo por tê-las guardado por tanto, renegadas a mim por mim, pesadas e densas de melancolia. O que muito se prende, muito se arrepende. Dentro das minhas estigmas já escrevi muitos nomes, mais do que conseguiria suportar um coração fraco e achacadiço e pra onde vou não sou capaz de levá-las comigo. Cada um de meus passos trazem em seus traços as dores da minha glória pessoal, as conquistas que falhei, os bonecos de existência que vulgarmente amei e as costas que chicotei. O refinado terror da palavra escrita onera minhas qualidades motoras, fazendo-me sempre acreditar que o chão é o meu lugar, turva minha visão e mostra os vultos de minhas ilusões na tentativa de me confortar com o prazer do desgosto pela humanidade. Dizem que o cérebro humano procura sempre pela resposta mais rápida de refrigério para as percepções mais necessitadas da nossa psique. Só que aqui as fraquezas são sempre as súbitas e tonteantes que ninguém quer ver.
E sempre caio
Nos seus mundos.
No meu mundo.
Meu.


Caio. De novo.

domingo, 26 de agosto de 2012

Waiting for a miracle









Não, não quero sair. Deixem-me caída aqui para sempre. Não me interessam faces plácidas e compadecidas, só quero minhas cobertas e a minha dor, por favor. Já disse que não. O travesseiro me acolhe bem e me conforta, o colchão me abraça com o amor de um namorado, o vento frio que escapa pelas venezianas e brinca com as penas do meu dream cather me agrada. Não essa fumaça de pulmões feridos, essas ruas de mendigos doentios, de morte em todos os lugares. Estou bem com o meu som baixo, deixe ecoar. Mozart me possui, Leonard Cohen canta só nos meus ouvidos. Não quero cantos de pneu ou sons de pobreza de princípios humanos, quero paz. O sossego dos meus livros que ficam no chão para garantir um analgésico mais rápido, os incensos para me dar um pouco de sossego aromático, o pijama para ser minha armadura.
Me deixe só, com leite frio e meu vinho barato, me deixe só. As facas não cessam de me procurar, não importe que reino e em que peito eu me esconda, quando vai embora eu só tenho meu colchão.
Por favor, não. Só saio quando o sol já tiver ido embora do meu peito. Não compensa ir atrás de milagres mais, se quiserem acontecer, que me procurem


The Maestro says it's Mozart
but it sounds like bubble gum
when you're waiting
for the miracle, for the miracle to come.

Não tinha nem pegadas

Te dei, você não quis.
― Leva que é seu.
Mas então se afastou, com os olhos estatelados e colado nos meus, passo ante passo, e eu de mãos estendidas.
― Toma. Segura aqui, por favor, antes que eu jogue fora.
Mas não tinha esperanças nos seus olhos. Nunca teve. O sangue pingava na neve, até que caí de joelhos e as feridas arderam no gelo.
― Pega aqui ― e esfreguei na barra de suas vestes, e então você apenas recuou. Segurou um momento, olhou-o e examinou de todos os lados sem um exame completo e depois jogou no chão de volta, ainda pulsando.
Desesperada em minhas próprias lágrimas, voltei a pegar o órgão gelado. E quando ergui os olhos sanguinolentos, você não estava mais lá. Só o pulso foi se perdendo, conforme voltei-o para o peito, para a cova.