sexta-feira, 15 de junho de 2012

Don't know where you're going, only know just where you've been. Sweet little baby, I want you again

Então são três da manhã e estou estou bêbada ouvindo Dazed And Confused e pensando em você. Dei-me o luxo de um White Horse, e agora ele está crucificando minha cabeça e pregando meu fígado com pregos de aço quente. Tudo bem, eu não devia ter bebido, mas é um tempo sem remédios a me chicotear, eu tive que aproveitar a deixa do diabo. Por tanto se as palavras saírem de qualquer jeito eu não estou nem aí. Eu sou mesmo uma escritora ébria, corcunda e esquisita, então deixe-me aqui no chão construindo meus castelos de pontes etílicas e rios de whisky. Aqui, de rubras faces e mãos palpitantes, de blusa com botoes abertos e pernas arrepiadas de frio penso no meu futuro deprimente, nos meus ápices. Eu não tenho nada de interessante na minha vida além do malte. Socialmente me limito a meio copo de Heineken, mas aqui, fechada e sozinha na companhia dos titãs do Zeppelin ou dos progressivos do lado escuro da lua eu me rendo, e com eles viajo sozinha nos meus orgasmos de razão desconstruída. Imagino nós dois, me imagino cantando em hebraico para nossas crianças, me imagino recitando Rimbaud em praça pública, me imagino com boas conversas, me imagino sorrindo, e quando abro os olhos estou tropeçando sozinha nas escadas até meu templo profanado, me jogo nos lençóis para não acordar nunca mais.
Só que o efeito do álcool acaba e eu volto para meus remédios, minha piração termina ali na minha meia dose âmbar de whisky. Então as vertigens voltam, os desmaios, as quedas de apetite, os dias inteiro sem vontade de comer, as tonturas, e as dores no peito. Mas não, ah não! Eu quero ficar deitada aqui para sempre e quando a morte chegar eu divido meu White Horse com ela sem miséria e tomamos enquanto conto minha história e ela me conta a dela, depois de um tempo ela me chama e então caminhamos, deixando para trás toda essa vida de merda e levando apenas a garrafa vazia onde guardamos nossas ambas trsitezas.
- Ora, moça, ainda temos a eternidade para embriagarmos e ouvirmos Led Zeppelin, não apresse-se.
Então me afundo nos seus cabelos, você se afunda nos meus e nos perdemos nas nossas essências individuais, você sente a da minha pele, eu sinto a da sua alma e vice e versa. Dali só saímos para buscar outra garrafa.
E se o White Horse acabar abra a prateleira de cima, guardo os melhores vinhos lá também.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Elegia aulida

Corta-me lenta, lâmina, para que neste minuto eu sinta-te ferindo a dor de minh'alma. Queima-me lento, fogo, para que neste minuto chamusque-me as fúrias. Pinta-me, negro, para que de toda cor eu possa esquecer-me. Componha-me, música, perfeita como tuas vibrações psicossomáticas que retumbam no meu lânguido íntimo. Rubrica-me, poesia, com tuas palavras de alento crescido. Tange-me, razão, com a necessária dor do saber. Inspira-me, decadência, como sempre fizera comigo como uma cigana enfeitiça o seu amado. Unja-me, morte, para que com teu beijo eu possa repousar quieta na plenitude do cosmo. Cinge-me, satisfação para que não sejas tu apenas um sopro de momento. Fímbra-me, tormenta, como drapeia as vestes dos artistas. Ame-me, amado oculto, e faça-me esquecer destas tristes companhias que me velam num cortejo fúnebre, possua-me e tome-me deste mundo nu de esperança. Faça meus olhos abrir. Faça meu peito mover-se. Faça minha alma limpa, só tu és capaz de clarear os labirintos, so tu és quem aninha-se nas altas matas densas da mais escura parte de mim. Só tu e tu. E então de mais nada precisarei. As partituras da minha vida estariam completas, e nossos corpos fariam a melodia.

domingo, 10 de junho de 2012

Links, rechts, gradeaus Du bist im Labyrinth

Não havia nada de especial nela, nada em sua aparência normal, nada em seus atos comuns aos olhos das pessoas, nada. Ela era um nada. Sentava muito quieta quando ficava sozinha, cantarolava adágios de Mozart, rabiscava com o lápis até que ele ficasse sem ponta, realizando desenhos disformes, sanguinolentos, borrados, com lágrimas opacas. Deitava sempre no chão frio do quarto, nua e cansada, ouvindo música alto suficiente para poder calar os gritos de seu coração. Mas a alusão de felicidade durava pouco, pois de uma forma ou outra ela fazia parte do sofrimento da desmotivação e ele fazia parte dela. Os acordes das músicas encontravam na frequência descompassada de seu coração um abrigo rápido de cura múltipla e preenchimento, como a água enchendo um copo furado que vê-se completo apenas naquele momento e em seguida já desfaz-se o encanto da satisfação. Ela lacra a visão para si mesma, contemplando o infinito de sua alma instável. Dança sozinha nos salões do pálacio de ônix e mármore intransponível do interior do seu mais profundo eu numa viagem em que não conhece-se, mas foge-se, foge de si mesma, foge até de suas elevações psíquicas de razão, quer apenas valsar ali sozinha ao som das cítaras e dos pianos, do guturais e dos líricos, do desafinado e do harmônico, quer morrer ali deitada onde ninguém entra, onde a feiúra de seu ser é belo apenas em seus olhos. Deita nos tapetes ornados das promessas e suspira a poeira das mentiras, quebra os vasos antigos da sanidade irraigada e joga as tapeçarias ostensivas da auto estima na lareira de fogo azul. Ali dentro ela é mais loba que mulher, metade desafio metade incógnita, menos humana do que aparenta em seu avatar feio de mulher em formação. Então subitamente erguem-se duas gigantescas cortinas do palácio revelando o céu semi nublado, e ela estende-se redentora com os braços abertos e o peito a mostra, afinal aquele o único momento que abria os olhos da alma era para contemplar a lua.
E então uiva, só, para alguém em algum lugar ouça-a.


O lixo hospitalar que sobreviveu.

Eu estou em um hospital, deitada de mau jeito numa poltrona e com um olho no computador e outro no soro intravenoso. Tudo aqui cheira e tem gosto de remédio e desesperança. O cheiro do desinfetante, o gosto da gelatina, o vento que entra pelas persianas da janela e até o café. Me recorda o dia em que segurei cinco tipos de comprimidos diferentes bem próximo da boca, só pra sentir a morte me sussurrando nos ouvidos e foi mais um dos quases da minha vida. Mas não são esses pensamentos que me tomam agora, não, é algo mais substancial. Aqui neste quarto vejo minha vó repousar, inalcansável em um sono medicado e doente. Cuido dela como ela cuidou de mim, e quem outrora era mãe duas vezes se mostrou uma criança frágil nos meus braços. Do lado de fora ouço as vestes da morte rondando e gelando as entranhas da madrugada, aguardando ansiosa para abrir uma porta e ceifar a alma que repousa ali. Os joelhos aqui se dobram para todos os credos, e a falsa esperança sai da boca dos médicos para os corações aflitos de quem quer tê-las. Ouço choros, ouço urros de dor, o chorar de um recém nascido. Mas a maior ironia foi estar no corredor da maternidade onde nasci, entrar no berçário e contemplar as caminhas pequenas onde um dia estive. Só pude pensar em algo, que estupidamente fez meus olhos secos marejarem: e se eu não tivesse saído lá de dentro? O ventre da minha mãe era algo tão acolhedor, quente, suficiente, eu não queria chorar no frio, não queria viver no desalento do descaso e ser acompanhada apenas por sonhos maiores que as possibilidades. Não queria ser o monstro, queria ser normal. Se eu não tivesse saído? Se eu tivesse morrido? Posso ouvir a voz dos médicos: "Nós lamentamos muito, mas essa criança cresceria e se tornaria uma pessoa de alma horrível e totalmente desiludida e tentaria se matar mais de três vezes, todo esse trabalho é inútil" então me jogariam no lixo junto com as bandagens ensanguentadas, ossos cerrados, raspas de lepra e pernas amputadas.
Atmosfera horrível que me gera reflexões horríveis. Uma das piores noites da minha vida e espero nunca ter voltar. Meus problemas internos são doídos demais para ficar num lugar quase pior que os salões abobadados e labirínticos da minha racionalidade, chega.

Hospital São Domingos, quarto 443. 4:00 a.m.