quarta-feira, 9 de maio de 2012

Causa Mortis


Pra sociedade eu morri, e talvez seja essa a única maneira que eu encontrei de não morrer sufocada. Todos nós temos uma loucura interior, um lado ruim que nosso subconsciente insiste em esfregar em nossos pensamentos até sangrar. Acredito que nós humanos buscamos sempre um êxtase. Está no nosso genes. Uma bebida alcoólica, uma droga, um orgasmo. Seja com ou sem sentido, precisamos disso para viver. Parar, sentir o chão como uma nuvem, seja por uma noite inteira, por um milésimo de segundo, ou o momento que antecede o vômito. Nós precisamos pairar no vácuo, para nos elevar dessa merda de realidade que vivemos. Cada um à sua maneira cujas muitas são altamente prejudiciais. Eu sou uma escritora, e descobri isso quando comecei a gostar mais de livros do que de pessoas, mas não é por isso que não sou humana. Sofro dos males da carne, de sua decadência e do seu fadado sofrimento. O prejuízo de uma mente racional com tantos poucos anos? Ódio. Algum nazista disse certa vez que a brutalização do jovem cria o monstro do amanhã. A realidade me brutalizou, porque ela foi diferente dos meus sonhos e é a única coisa que a ponta dos meus dedos podem tocar, o único véu pesado que me venda e me obriga a lacrar a visão deste inferno para um mundo mais lindo, um mundo mais eu. Aqui dentro é escuro, com cheiro de sangue e solo de areia. Entretanto é melhor do que aí de fora, onde tudo é mentira e indiferença. Aqui dentro eu tenho sentimentos, aqui eu tenho dor, alegria, felicidade, monstros. Aqui quem manda nos meus êxtases sou eu.

Woltatd, o ermo.

Eu poderia começar essa história falando que sou bonito, rico e solitário. Então você leria, depois que terminasse guardaria esse livro na estante ao lado dos outros romances e ficaria por isso mesmo. Sinto decepcioná-lo, mas essa não é uma história convencional. Eu não sei que diabos eu sou, um nada talvez. Um pervertido, um assassino, um… clichê. Mas eu não sou. Não cabo nessas medidas de seres humanos (ou não) normais. Eu não sou nada, meu velho. Eu sou o infinito, mas sou o nada. Não me leia, deixe-me aí, jogado na calçada onde é meu lugar. Vou escorrer até o esgoto, de onde eu nunca deveria ter saído.

Então?
— Então o quê?
— O que te traz aqui?
Fiquei um bom tempo olhando-a.
— A minha vida — e ri.
— Ora, o que há de engraçado?
— Fizeram essa mesma pergunta ao Hitler, sabe.
Então, ela estreitou os olhos, estralou os dedos e olhou-me por cima dos óculos com swarovski.
— Senhor Woltatd, isso já está ficando ridículo. Vamos recomeçar, sim? — Folheou o bloco de notas de papel orgânico e coçou a ponta do nariz com a caneta tinteiro. — Do que você gosta?
Eu achava muita graça naquilo tudo.
— Sexo selvagem, slivovtz e livros de poesia.
— Francamente. Acho que podemos marcar uma outra hora semana que vem, quando você estiver… são.
— Se eu fosse um homem são não estaria aqui, estaria?
A psicóloga de cabelos ruivos cacheados me olhou mais uma vez com aquela expressão de ‘eu-não-ganho-tudo-isso-para-ter-que-te-ouvir-falar-essa-merda’ enquanto aquele sorriso insuportavelmente irônico não se desfazia no meu rosto barbeado.