sábado, 29 de outubro de 2011

How soon is now?


Eu sentaria em um banco de cimento em um jardim florido, com pássaros e colinas e te contaria meu tudo. Vomitaria o inferno aqui dentro. Te contaria como passei a escrever em segunda pessoa, minhas lágrimas acabaram e ando carregando peso demais nas costas. Uma tarde dessas, de primavera. Combinemos, pois. Procure pela silhueta de uma mulher curvada sobre um livro o qual devora como um leão se alimentando de uma gazela, presa no único lugar do mundo onde não sente dor. Seus olhos estarão roxos e os lábios perdendo o tom vermelho do batom por conta da mania de mordiscar o lábio inferior. O nariz estará entupido, a voz suavemente rouca, os dedos machucados pelos instrumentos, o braço alérgico, o cabelo bagunçado. Procure, em algum banco, e lá estará. Mas quando chegar perto não tema os olhos falsos e aquilinos que sempre te ocultarão a verdade. Converse comigo. A palavra é importante. Ainda mais àqueles que não a recebem. Conte-me devagar, conte-me tudo. Eu preciso saber dos outros infernos, assim como você vai querer saber dos meus. Beba um pouco do meu cantil, não é a morte, mas quase. Um 12 anos amarelado e amargo, quente. Então fecharei o livro e pontinhos de poeira subiram no ar, iluminados pelo sol que entra pelas faias das árvores. Por que um jardim? Por que é bonito, é fértil, traz alegria. Meu contrário. Se fosse em um castelo mal assombrado ou um beco escuro não teria graça. Eu não sou um morcego, sou? Não. Um monstrinho pior, mas um monstrinho.

Então você irá embora, como todos vão. E eu vou reabrir o livro, e cair em outro mundo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Hallelujah

Não tente cortar em mim essas ervas daninhas que crescem aqui dentro e sugam toda e qualquer representação de equidade e sanidade. Delas eu bebo meu suco da eternidade de desolação, por elas eu choro, com eu respiro. Essa torrente solitária de vazio é um agradável colóquio entre eu e meus males. Meus monstrinhos, de argila fria e sangue seco. Pesados punhos de ar me golpeiam todos os dias na boca do estômago por força do cosmo que conspira muitas vezes contra mim, ou por força de qualquer outra coisa. E como dói. Tenho vontade de desmaiar e cair no abismo. Em cada fechar de olhos eu vejo a minha morte, e isso me reconforta de uma maneira improvável. Não se acanhe ao me tocar, eu nunca vou sentir suas mãos mesmo. Você toca, e seu efeito em mim é nulo. Você é, e seu efeito na minha vida é nulo. Você é nulo. Você, e todos. Não existe ninguém, não entende? Não tem ele, ela, eles, elas, nós. Ninguém. Uma loba solitária não anda na alcatéia. Vagando em águas geladas pela madrugada a fora, tendo a lua como mãe e o destino como uma túnica leve sobre os ombros. Sem dever nada, sem cobrar nada. Não deixo pegadas, não tenho identidade assim como não tenho digitais. Eu sou ninguém, eu sou uma sombra que desfalece. Por isso, não me siga, não me olhe, não me toque. Você faz isso sempre, todos fazem. Um objeto invisível, como um quadro rasgado e manchado de sangue no sóton. Mesmo se eu tivesse pendurada no hall da sua casa, no console da lareira, no teto da sua sala, eu seria um pedaço de parede. Eu sou o nada. Uma metamorfose incompleta.
Perdida no crepúsculo das horas, no alvorecer das noites em claro

Epitáfio.

Eu escrevo a você, querido.
Chorei tanto, durante tantas noites e tantos dias que não seria capaz de distinguir os dois. Lamentei tanto. Passei horas com o gume de uma faca afiadíssima no meu pulso, pensando em cometer o ato e ir me juntar a você. Lembra daquela árvore em que nos abraçávamos e beijávamos apoiados à ela? Cortaram. A casinha que ficava em frente que sempre esteve para alugar foi alugada, e hoje uma velhinha fica sentada o dia inteiro na porta, movendo apenas os olhos. Parece até que cometemos um crime hediondo, meu amor, e estão tentando ocultar as provas. A praça em que conversávamos continua sendo o pátio daquela escola, com aquele drogado morador de rua que sempre nos passou medo. Quando passei lá, em frente a sorveteria que ficava na praça onde sempre comíamos quase um quilo de sorvete... Nada lá tem sabor mais. A praça parece desabitada. O vento não bate par ao mesmo lado. As árvores estão verdes por causa da estação, querido, mão não tem nada lá. Os bancos ainda têm musgo e terra, mas nada é o mesmo pra mim. As pessoas vem e vão, e nada lá muda. Você foi, e eu fiquei. Então por que ainda sinto essa dor aqui? Ah, meu amor... Me arrependo de não poder construir uma máquina do tempo. Seja pra voltar atrás e corrigir todos meus erros ou pra simplesmente poder passar com você todos aqueles momentos maravilhosos novamente. Mas eu não consigo. Eu nunca fui inteligente, nunca fui uma cientista. Eu queria segurar sua mão quente de novo, olhar nos seus olhos e ver todo aquele mundo que você ocultava, mas eles se fecharam para sempre para mim, não foi? Você não existe mais, querido, não existe. Você morreu. E eu fiquei. Você foi, como todos vão e me abandonam. Você não foi o primeiro que me deixou, mas tomara que tenha sido o último. Eu mereço um pouco de felicidade eterna, não mereço? Eu a vivi com você... Mas e agora? Eu não tenho nada!
Deixo uma rosa negra em cima do seu túmulo, arrumando o véu negro e limpando a última gota negra que sai dos meus olhos. Você morreu, querido. Não há motivo para continuar a chorar aqui, há? Seja nos braços de quem você esteja agora, não são os meus. Os olhos que fita, não são os meus. Os lábios que sela, não são os meus. O corpo que acolhe, não é o meu. As palavras que diz, não são pra mim. Você não é pra mim.
Você morreu. Em um túmulo hermético, onde, mesmo se quisesse, nunca sairia pra mim. Nunca.