domingo, 10 de junho de 2012

O lixo hospitalar que sobreviveu.

Eu estou em um hospital, deitada de mau jeito numa poltrona e com um olho no computador e outro no soro intravenoso. Tudo aqui cheira e tem gosto de remédio e desesperança. O cheiro do desinfetante, o gosto da gelatina, o vento que entra pelas persianas da janela e até o café. Me recorda o dia em que segurei cinco tipos de comprimidos diferentes bem próximo da boca, só pra sentir a morte me sussurrando nos ouvidos e foi mais um dos quases da minha vida. Mas não são esses pensamentos que me tomam agora, não, é algo mais substancial. Aqui neste quarto vejo minha vó repousar, inalcansável em um sono medicado e doente. Cuido dela como ela cuidou de mim, e quem outrora era mãe duas vezes se mostrou uma criança frágil nos meus braços. Do lado de fora ouço as vestes da morte rondando e gelando as entranhas da madrugada, aguardando ansiosa para abrir uma porta e ceifar a alma que repousa ali. Os joelhos aqui se dobram para todos os credos, e a falsa esperança sai da boca dos médicos para os corações aflitos de quem quer tê-las. Ouço choros, ouço urros de dor, o chorar de um recém nascido. Mas a maior ironia foi estar no corredor da maternidade onde nasci, entrar no berçário e contemplar as caminhas pequenas onde um dia estive. Só pude pensar em algo, que estupidamente fez meus olhos secos marejarem: e se eu não tivesse saído lá de dentro? O ventre da minha mãe era algo tão acolhedor, quente, suficiente, eu não queria chorar no frio, não queria viver no desalento do descaso e ser acompanhada apenas por sonhos maiores que as possibilidades. Não queria ser o monstro, queria ser normal. Se eu não tivesse saído? Se eu tivesse morrido? Posso ouvir a voz dos médicos: "Nós lamentamos muito, mas essa criança cresceria e se tornaria uma pessoa de alma horrível e totalmente desiludida e tentaria se matar mais de três vezes, todo esse trabalho é inútil" então me jogariam no lixo junto com as bandagens ensanguentadas, ossos cerrados, raspas de lepra e pernas amputadas.
Atmosfera horrível que me gera reflexões horríveis. Uma das piores noites da minha vida e espero nunca ter voltar. Meus problemas internos são doídos demais para ficar num lugar quase pior que os salões abobadados e labirínticos da minha racionalidade, chega.

Hospital São Domingos, quarto 443. 4:00 a.m.

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