domingo, 17 de abril de 2016

Quimono Azul Petróleo


Havia um homem sentado no sofá macio. Vestia uma calça de moletom e um colar de contas, seu aspecto era lupino. A luz que entrava gradeada pela veneziana listrava-o, rajava sua face barbada revelando o pingente que mordiscava há tempos.
― O que tira seu sono, lobo?
Uma mulher alta, em um quimono azul petróleo longuíssimo que tocava o chão chamou-o. Seu cabelo caía de um coque mal sucedido sobre um mamilo rosado que o quimono não ocultava. O coração do lobo sentiu-se menos mal ao som da voz feminina e seu espírito acalmou-se ao vê-la ali, em igual insônia, oferecendo-lhe a visão de sua silhueta.
― Não sei, minha bela flor, talvez o mesmo que te atormenta? ― Convidou-a para um abraço em seu peito desnudo e ela cedeu, aconchegando-se em seu colo. A lubricidade era capaz de acompanhar seus gestos até nos mais inocentes, mas naquele momento ela não quis revelar nada, provocar nada. Abraçou-o com as longas pernas e os braços e ali ficou.
― Eu temo o círculo de repetições, meu anjo. ― Ela suspirou, com a cabeça apoiada no ombro do homem, com os dedos pálidos acariciando as madeixas do cabelo dele.
Excitado, pelo fato daquele corpo quente em seu colo, o homem degustou das palavras de sua fêmea. Inalou do cheiro frutado de lichia que ela emanava e envolveu-a por de baixo do quimono azul petróleo. Adorava aquela cor, adorava lichia.
― Que repetição? ― Indagou.
― Todas. ― Pare para pensar… ― a voz dela era tão boa de se ouvir que ele nunca se cansava das conversas com a amada. ― Você consegue se ver sem repetições? ― À ausência de resposta verbal, ela prosseguiu ainda acariciando o corou cabeludo. ― Sair de casa pela manhã, trabalhar em um serviço de merda, comer, ler, comer de novo… Até o amor que a gente faz… ― Ela afastou a cabeça e o fitou, com os dedos enraizados em seu cabelo.
Ele sorriu.
― Ora, você nunca reclamou do sexo. ― E beliscou o mamilo inocente que sobrava pela borda de cetim do quimono.
Ela corou e sorriu, com a mesma expressão de ofendida que fingia tão bem.
― Não, não é nesse sentido! ― juntou os braços e cruzou-os como uma virgem violada. A oração em hebraico que possuía tatuada no alto do braço se mostrou à meia luz que vinha da rua. ― Tem sentido essa repetição? Tem sentido viver desse jeito? Só viver? Só isso?
Ele manteve as mãos pousadas no quadril dela, cada vez mais instigados pelos estratagemas de sua amada e subindo o olhar até encontrar seus olhos.
― Você faz perguntas que me exaltam por dentro e talvez por isso estamos juntas há tanto tempo… Eu não sei, minha querida, porque vivemos repetindo tudo. ― Demorou um pouco. ― Talvez porque seja essa a maldição daqueles que pensam. Indagar o porquê das repetições. ― Apoiou a testa na omoplata dela ― Isso era o que eu fazia aqui, pensar.
― E ser dono de um mausoléu de melancolia. ― Ela completou, deixando o quimono escorregar pelos ombros. O frio arrepiou suas costas tatuadas com um grande lobo azul. ― um mausoléu que divido com você. ― segurou firme o rosto do amado com as mãos.
― Onde eu entro pela porta da frente, sento em frente a lareira e te convido para uma noite de amor. ― Ele beijou-a na pele sensível do pescoço. Sem perceber, já apertava-lhe as carnes do quadril. ― Isso me faz menos mal, saber que não habito só nessa tristeza.
Ela revelou-lhe aquele sorriso. Aquele. Oblíquo e sutil, quase invisível e o fitou, com os poderosos olhos acinzentados presos nele.
― Eu convido-o para entrar e quando dou por mim você já está lá, refletindo os mesmos porquês. Custoso de engolir as mesmas verdades que eu. Contempla a magnitude, lobo?
― Você contempla meus olhos, e neles vê o que não vê nos outros. ― Sentiu que ela espalmava as mãos pelo seu peito, aquele toque interessante. ― O brilho da lua.



Escrito em Julho de 2013.

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