quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Les deracines

A pele era estragada, o cabelo desarrumado, o senso de humor falso, o olhar vago. Parecia mais lesado que homem.
― Você, acorde, menino. Saia dos livros e caia na realidade. Desligue a música e arrume um emprego. Feche a alma e emburreça. Seja mais um amontoado de fracasso cívico e ambulante que perambula pelo mundo fazendo dinheiro por dinheiro. Esqueça de si mesmo e de quem é, deixe morrer o garotinho dentuço e sonhador que corria descalço no gramado e fazia bolhas de sabão. Perca-se de sua inocência e enterre suas memórias. Finja e por outros seja fingido. Embebede-se dos licores do momento e fume os tragos da decadência. Morra sozinho em uma mansão, morra sozinho em seu quitinete sufocante, mas morra sozinho. Ame mil mulheres por mil dias, mas ao chegar o tempo case-se com a mais fácil delas, tenha um único filho e passe o resto dos dias em contagem regressiva da sua vida. Vá ser quem não é, e não ser o que é.
― Pois não serei. O vento ainda me bate forte contra esse sistema de falhas construídas em falhas.
― Ora, moleque, não valse em tetos de vidro!
― Então não pise em minhas flores e em meus pés descalços!
― Vá obedecer ordens no imperativo, e se afogue em um clichê para ser igual.
― Para ter palavras como as suas? Esses frutos ilusórios de falsa liberdade, desalmados e podres seres? Somos todos humanos, fadados ao fracasso e a queda, se não o fossemos o não viveríamos pregados no chão. Ele é um amigo melhor que qualquer um destes que como você vivem. Em ruínas de humanidade! Em esgotos e becos de bruma suja, escondendo lobos em galinheiros de mais lobos. Armadilhas seguidas de armadilhas, aço contra aço, um mais fraco que o outro nessa eterna luta de egos gordurosos de barrigas pedantes. Esfregam-se nesses corpos consumíveis e capitalistas que trazem o preço já estampado nas roupas que usam, nos saltos que os elevam, nos bisturis que os cortam. Não, homem, eu prefiro o meu jardim.
― E até quando acha que pode viver isolado, rapaz? Até quando mente para si mesmo que não necessita de ninguém além de sua própria loucura e estas flores inférteis? Se já os sábios gregos defendiam que o homem nasce selvagem e a sociedade o doma!
― Bichos enjaulados, são todos vocês! Matam a si mesmos com as armas feitas de seus próprios ossos. Gritam por bananas verdes por trás de suas grades de mais ossos, e dormem em suas camas imundas de merda! São todos iguais.
O homem, sobranceiro, ergueu o rosto e cruzou os braços, fitando o rapaz de faces rubras de cólera em sua frente. Pálido e oblíquo, respondeu:
― A massa obedece os grandes que a faz grande. Não perca mais seu tempo como um eremita barbudo, ainda morrerá e ninguém ouvirá seus gritos de agonia. ― Entortando o chapéu, deu meia volta e caminhou, distanciando do rapaz.
― Antes ninguém me ouvir morrendo, do que todos querendo me matar. ― E o jovem virou-se para o oposto, aconchegando a flor que trazia no bolso do paletó e a afagando-a docilmente. ― D'abord il y avait la colere, et puis il y avait notre promesse de ne pas perdre le feu, de vivre debout et en movement.

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